Os usos da verdade na política
No primeiro desses cursos, O Governo de Si e dos Outros (FOUCAULT, 2010), o filósofo francês analisa como, em vários textos da Grécia antiga, a palavra parresía passou por uma transformação, deixando de significar o mero direito de se dirigir livremente à assembleia de concidadãos para, nos discursos de Sócrates, se constituir em uma parresía filosófica.
Qual era a diferença?
Grosso modo, no primeiro caso, que Foucault chamou de parresía pericliana, a fala franca apela à retórica para, em uma acirrada disputa entre oradores e líderes, convencer a cidade a se unir sob uma só ideia.
"[Na] situação conflitual em que pessoas pertencentes à elite ou que querem jogar o jogo agonístico se deparam com uma estrutura igualitária e democrática, a retórica é um discurso que [...] tem um só e único uso: trata-se de prevalecer" (FOUCAULT, 2010, p. 335).
Perseguindo obsessivamente esse objetivo, a retórica torna-se então "indiferente ao justo e ao injusto, [...] é como puro jogo agonístico que a retórica se vê justificada" (FOUCAULT, 2010, p. 334).
Na parresía filosófica, ao contrário, a fala franca não persegue a qualquer custo a vitória em uma disputa política, mas se apoia na coragem da verdade com vistas à benevolência.
Trata-se de afirmar honestamente em que se crê, mesmo que isso implique em risco de vida, - como acabou sendo o caso do próprio Sócrates -, certificando-se de que a verdade está sendo dita em favor do outro.
"O jogo já não é agonístico (de superioridade), portanto. É um jogo de prova a dois, por afinidade de natureza e de manifestação de autenticidade, da realidade-verdade da alma" (FOUCAULT, 2010, p. 336).
Foucault insere assim a fala franca socrática no contexto e no esquema de uma dialética: chega-se à verdade não por força de um dogma ou de uma evidência objetiva, mas por meio de um diálogo que leva a um esclarecimento progressivo.
REFERÊNCIA
FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
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