O lugar de fala de Bolsonaro contra a ciência

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, pode cometer os piores pecados e, ainda assim, haverá párocos saindo em sua defesa. 

O que está em jogo aí não é a moralidade e a salvação das almas, mas dois regimes de verdade antagônicos. 

Em Bolsonaro, há um retorno a um regime que vem de longe e nunca deixou de existir, mesmo que, na maior parte do nosso tempo, tenha subsistido no subterrâneo, nos grotões e nas capelas. 

Que regime é esse? É aquele que define como discurso verdadeiro o discurso que é "pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido", diria Foucault: não importa tanto o é que dito, mas quem o diz. É o regime em que se encontra Trump também, como sugere Luiz Felipe Pondé ao classificar o presidente norte-americano como um político pós-moderno.

Notem, é um regime muito diferente do regime que foi se constituindo a partir de Platão e culmina na ciência moderna. A forma geral desta "vontade de verdade" é outra. Nela, há um deslocamento do ato ritualizado de enunciação para o próprio enunciado: não importa quem afirma algo, mas se tal afirmação resulta de uma certa racionalidade intrínseca ao enunciado. 

Esse regime moderno de verdade faz parte de uma outra maquinaria de poder, a qual naturaliza uma racionalidade que, longe de ser neutra e imanente, é culturalmente contingente e exclui, interdita e separa outros discursos e, como está na moda falar, narrativas. 

Daí talvez a insurgência de Bolsonaro e de certas alas conservadoras contra a ciência, um levante que, curiosamente, compartilha com as pautas identitárias de esquerda a reivindicação e a defesa de um lugar de fala próprio.

 

Notas: 

1) A citação direta a Foucault foi copiada do seu livro A Ordem do Discurso, página 15, 5ª edição da Loyola, de 1999. 

Leia também: O mito da neutralidade científica -  mais uma vez

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