Tornar-se outro

“Que fazer para ser outra pessoa? Impossível. Seria preciso já não sermos ninguém, esquecermo-nos por alguém, uma vez pelo menos.” 

Albert Camus em A queda

 

Cada um de nós, a todo momento, quer se tornar um pouco outro. Talvez seja impossível haver alguém que, agora mesmo, não deseje mudar alguma coisa em si - geralmente um bocado de coisa. 

A própria natureza realiza a transformação, muitas vezes à nossa revelia. A partir de uma certa idade, é inevitável envelhecer a contragosto. 

Antes, muito antes disso, as crianças costumam reclamar porque não são grandes o suficiente para fazerem tudo o que querem. Iludem-se, sabemos bem, vão continuar querendo e não podendo o resto da vida. E não podendo até mais. Porém, tudo o que elas percebem agora é que os adultos proíbem-nas de fazer as coisas que eles próprios fazem, e se gabam de fazer. 

Uma vez ou outra, a gente encontra um desses guris que não desejam crescer. Parece satisfeito em ser o que é. 

Muito mais comum é o adulto que gostaria de ser criança outra vez, o que acaba acontecendo quando ele envelhece o bastante para isso. Então, se conserva um pouco de juízo ainda, protesta contra essa infância que não pediu.

Assim é a nossa causa contra o tempo - interminável. Queremos apressá-lo, queremos retardá-lo, queremos atrasá-lo: queremos que seja outro.

 

Leia também: O sujeito e a história

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